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Maceió, 23 de novembro de 2024

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Bordado filé sobrevive nas cores de Alagoas

Foto: TV Brasil

Entre linhas, agulhas de madeira e histórias, o Caminhos da Reportagem percorre as tramas coloridas da Região das Lagoas Mundaú e Manguaba, em Alagoas, reconhecida como Indicação Geográfica do bordado filé. 

Ensinado pelos europeus no período colonial, o bordado filé foi incorporado pelas mulheres locais e se tornou um símbolo do estado. Se no velho continente o artesanato é monocromático, sendo mais comum em branco ou bege, no Brasil, ganhou todas as cores.

Na família da artesã Lourdes Gama, a filha Sandra e a neta Kaillane aprenderam com ela a bordar e a fazer da atividade uma fonte de renda. “Eu já sou aposentada, então a minha complementação é o filé. Tem mulheres que criam a família inteira somente com a renda do filé,” diz dona Lourdes.

Filé, traduzido do francês “filet”, significa rede. E, no caso do artesanato, é um bordado feito sobre uma rede semelhante à da pesca. Não é por acaso que este tipo de trabalho está presente em comunidades pesqueiras, explica o antropólogo Bruno Cavalcanti, professor da Universidade Federal de Alagoas, responsável pelas pesquisas que fundamentaram o reconhecimento do bordado filé como Patrimônio Cultural Imaterial de Alagoas e depois o registro da região como Indicação Geográfica (IG) pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

O bordado e a pesca são atividades essenciais para a sobrevivência da população do Complexo Estuarino das Lagoas Mundaú-Manguaba, formado por seis municípios: Maceió, Marechal Deodoro, Pilar, Coqueiro Seco, Santa Luzia do Norte e Satuba.  “Nós encontramos em outras partes do estado produtores de filé e mesmo em outras partes do Nordeste, mas numa escala não comparável com aquela que a gente encontra nos municípios que estão no entorno dessas duas lagoas,” explica o antropólogo.

Segundo Cavalcanti, o peso do bordado no orçamento das famílias vem aumentando em função do incremento do turismo e da queda do rendimento da pesca provocada principalmente pela poluição das lagoas. “A lagoa está secando. Aqui onde nós estamos passava a lancha que ia para Marechal Deodoro, hoje em dia a gente tá em cima da areia”, diz o pescador José Rosalvo dos Santos. Ele e a mulher, Rosiene da Silva Ramos, saem juntos para pescar e catar mariscos na Lagoa Mundaú, no bairro Pontal da Barra, em Maceió. Quando voltam da água, ele tece com o nylon uma nova tarrafa.  Rosiene borda e engoma toalhas, colchas, entre outras peças.

Assim como Rosiene, muitas bordadeiras encomendam as redes que servem de suporte para o bordado no município de Coqueiro Seco, de 6 mil habitantes. Jedivan do Nascimento Silva, de 72 anos, é umas das poucas que ainda fazem a rede da forma tradicional, mais trabalhosa. A artesã enrola a linha de algodão no dedão do pé para começar a tecer e quando a malha atinge 30 centímetros passa o trabalho para outro tipo de suporte, que pode ser o encosto da cadeira.

As bordadeiras perceberam que precisavam se unir quando viram o ganha pão ameaçado com a chegada às feiras de artesanato do bordado de outras regiões, feito com material mais barato e menos durável, conta Petrucia Lopes.  “As artesãs estavam deixando de fazer nosso filé original com pontos variados, como as avós faziam, para poder fazer esse filé que vinha de fora e vender para o turista”, explica Petrúcia.

Com a assessoria do Sebrae, elas criaram o Instituto do Bordado Filé de Alagoas, o Inbordal, e batalharam pelo reconhecimento da IG. Em meio a esse processo organizaram o Caderno de Instruções do Filé, que reúne os critérios para se fazer um bom e autêntico bordado. As artesãs levantaram uma grande variedade de pontos, cujos nomes são bastante singulares, como besourinho, jasmim, olho de pombo, caneludo, entre outros.

Junto com as artesãs, a arquiteta Marta Melo, que é designer de produto e consultora do Sebrae, busca a valorização do filé e a abertura de novos mercados. Como resultado de parcerias e oficinas, elas criaram a coleção Duas Lagoas e uma Ilha, inspirada nas cores das águas, do céu, do mangue e das casas históricas da região. “A ideia é que essas coleções levem o ambiente, a região geográfica onde elas moram e que elas passem também a assumir essa identidade com muito orgulho,” afirma Melo.

Maylda Cristina Soares da Silva, presidente do Inbordal, conta que a partir da IG as artesãs conseguiram melhores preços na venda dos produtos. Como exemplo, ela cita uma experiência pessoal. Quando teve a casa inundada nas enchentes que afetaram a cidade este ano, pôde repor os móveis e eletrodomésticos que haviam estragado “graças ao dinheiro do filé”, revela.

Faz parte da estratégia do Inbordal repassar o saber ancestral para as novas gerações. As oficinas de bordado reúnem adolescentes de escolas públicas. Algumas já sabem bordar e só querem tirar dúvidas, enquanto outras começam do zero.  “Pra mim é muito importante passar esse trabalho para que ele não morra porque foi através dele que a minha mãe ajudou bastante a minha família e deixou esse legado pra gente,” diz a professora Lucineide Sena.

Agência Brasil

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